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“Nós já estamos morrendo através do marco temporal”

Em Brasília, as mobilizações do Dia Internacional dos Povos Indígenas, 9 de agosto, foram encerradas com uma grande reza Guarani e Kaiowá em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os indígenas estão preocupados com o risco da corte adotar a tese do marco temporal em julgamentos sobre demarcação de terras indígenas no dia 16 de agosto. Os Guarani e Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, são um dos povos que podem ser mais duramente afetados por esta medida.

Saiba mais sobre a campanha Nossa história não começa em 1988

Veja o mapa das mobilizações do Dia Internacional dos Povos Indígenas

“Esse marco temporal é um assassino para nós, povos indígenas. Por isso que estamos aqui, para pedir para os ministros para não aprovar isso”, afirma Leila Rocha Guarani Nhandeva, liderança do tekoha Yvy Katu/Porto Lindo.

Leila integra a delegação de Guarani e Kaiowá que, junto a indígenas dos povos Kaingang, Jaminawa, Apolima-Arara e Apurinã, participou de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) para debater as recomendações recebidas pelo Brasil na Revisão Periódica Universal (RPU) da Organização das Nações Unidas (ONU). Em maio, 29 países manifestaram preocupação com violações de direitos indígenas por parte do Estado brasileiro.

Apesar de terem sido convidados para a atividade, os indígenas foram barrados pela segurança, que não queria permitir o ingresso com maracás, e esperaram muito tempo até terem sua entrada liberada, numa situação que já se tornou praxe em Brasília. Ao fim da audiência, todos se juntaram aos rezadores Guarani e Kaiowá que já faziam um ritual em frente ao STF.

“Esperamos que aqueles onze ministros pensem para assinar esse papel contra a raiz deles. Se precisar, eu me ajoelharia na frente da ministra Cármen Lúcia, pedindo por favor para não aprovar esse marco temporal”, afirma Leila, explicitando a preocupação dos Guarani e Kaiowá com a possibilidade de que os ministros do STF adotem a tese do marco temporal nos julgamentos do dia 16 de agosto, quando a corte deverá julgar, em plenário, três ações envolvendo a demarcação de terras indígenas.

Os indígenas estão mobilizados em todo o país contra a adoção desta tese, defendida pelos ruralistas, segundo a qual os indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse em 1988.

“Antes [de 1988], nós fomos expulsos dos nossos tekoha [lugar onde se é]. Nós fomos trazidos numa reserva, que é um chiqueiro. Porque a gente não está cabendo mais. Por isso que nós, indígenas Guarani Kaiowá, estamos saindo daquele chiqueiro e indo novamente cada um pro seu tekoha”, reage a liderança Guarani. “Nós sabemos onde morreu nosso antepassado, nosso tataravô, nosso bisavô, nosso pai. Nós estamos indo de novo lá e lá nós vamos morrer”.

A morte, para os Guarani e Kaiowá, não é apenas uma figura de linguagem. Dos 891 assassinatos de indígenas entre 2003 e 2015, 426, quase a metade, ocorreram no Mato Grosso do Sul. A perspectiva de não demarcação de suas terras, uma consequência direta da aprovação do marco temporal, traz o risco do agravamento dos conflitos e da violência.

“Através daquele marco temporal, nós já estamos morrendo bastante. Indígena que morre pela mão do ruralista não foi punido até hoje. Então, esse marco temporal para nós é um assassino de verdade”, lamenta Leila.

Sua preocupação reflete o processo de judicialização generalizada de processos de demarcação de terras indígenas, por parte de fazendeiros, que já ocorre naquele estado. “O marco temporal ainda não foi consolidado, mas já está valendo como lei no Mato Grosso do Sul”, explica Eliseu Lopes Guarani Kaiowá.

Mesmo contrariando o STF, que ainda não tem uma posição definitiva sobre o assunto, muitas demarcações estão sendo suspensas em primeira e segunda instâncias da Justiça com base nesta tese. É o caso da Terra Indígena (TI) Dourados-Amambaipeguá I, dentro da qual ocorreu o massacre de Caarapó, em junho de 2016, e cuja demarcação foi suspensa em fevereiro de 2017 pela Justiça Federal, em primeira instância.

A própria TI Yvy Katu/Porto Lindo, no município de Japorã (MS), onde vive Leila, chegou a ter sua demarcação questionada na Justiça, com base no marco temporal, por um fazendeiro que pedia a suspensão do processo demarcatório, alegando que os indígenas não estavam de posse da área em 5 de outubro de 1988. O recurso foi rejeitado pelo pleno do STF em 2016, num importante precedente contra o marco temporal.

O tekoha também não escapa da realidade de violência e vulnerabilidade vivenciados pelos Guarani e Kaiowá em todo o Mato Grosso do Sul. No início de agosto, dois corpos foram encontrados enterrados na fazenda Dois Irmãos, no município de Iguatemi, próxima de Yvy Katu, e identificados pelos indígenas como pertencentes a Gabriel Martins e Fabio Vera, desaparecidos da área há mais de um ano.

Apesar da situação de confinamento em áreas diminutas, são recorrentes os discursos ruralistas de que os indígenas querem demarcar o Mato Grosso do Sul inteiro. “Eu sei que o Mato Grosso do Sul inteiro é nosso, mas nós não queremos todo. Nós queremos só um pedacinho de terra, nossos tekoha”, rebate Leila Guarani.

Em frente ao STF, os rezadores e rezadoras permaneceram concentrados, executando suas rezas e cantos até o sumiço dos últimos raios de sol. O marco temporal representa, para os indígenas, algo muito mais grave e muito mais profundo do que uma simples tese política.

O pássaro pousa nos galhos da árvore, explica Leila, mas para que eles possam servir de pousada, a árvore precisa ter raízes firmes. “Nós somos a raiz de vocês. Se nós morrermos, vocês também vão morrer, porque nós somos a raiz”, prevê. Com semblante sério, a indígena questiona: “Dia 16 vai ser o julgamento aqui. Se for aprovado, quem vai se responsabilizar por essas crianças que vão ficar órfãs?”

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Para você, o Brasil foi descoberto ou invadido?
Como será que um indígena responderia esta pergunta?

Nós acreditamos que todo fato merece ser analisado por diferentes pontos de vista e que ao cruzar olhares possibilitamos a construção de uma sociedade mais consciente, inteligente e responsável. Esta é a inspiração para nossa mobilização em apoio aos povos indígenas no Brasil na defesa de seus direitos.

Entendemos que os mais de 305 povos indígenas brasileiros, caracterizam um patrimônio da diversidade sociocultural do Brasil que se reflete nos seus conhecimentos e modos de vida, em 274 línguas e uma imensa variedade de expressões artísticas e rituais.

A demarcação dos territórios indígenas, hoje paralisada, é condição básica de sobrevivência para esses povos. Sabemos que a maioria das Terras Indígenas no Brasil sofre invasões, impacto de obras e, freqüentemente, os índios colhem resultados perversos do que acontece mesmo fora de suas terras, nas regiões que as cercam: poluição de rios por agrotóxicos, desmatamentos etc. Apesar disso, em algumas regiões do Brasil, quase tudo o que sobrou da cobertura vegetal nativa está no interior das terras indígenas e das unidades de conservação. Acreditamos que a diversidade e a pluralidade da sociedade brasileira são fundamentais para construirmos outro futuro para a humanidade e o planeta.

Hoje estamos lançando nossa campanha e contamos com você para levar esta mensagem adiante.

Atenciosamente,

Equipe dos Tamuaté-aki

Alexia Dechamps, Ana Lima, Angelo Antonio, Cacau Protázio, Carla Daniel, Charles Gavin, Claudia Ohana, Dira Paes, Fernando Alves Pinto, Giulia Gam, Guilhermina Guinle, Jorge Pontual, Letícia Persiles, Letícia Sabatella, Marcelo Bonfá, Marcos Palmeira, Maria Paula Fidalgo, Marina Rigueira, Pedro Scooby, Thaila Ayala, Tony Garrido, Wagner Moura, Marcos, Minna Antonelli e Isadora Garrido

Deputado diz que quilombolas, índios e homossexuais são “tudo o que não presta” e incita violência

Um vídeo gravado em audiência pública com produtores rurais, em Vicente Dutra (RS), registra discursos de deputados da bancada ruralista estimulando que agricultores usem de segurança armada para expulsar indígenas do que consideram ser suas terras.

“Nós, os parlamentares, não vamos incitar a guerra, mas lhes digo: se fartem de guerreiros e não deixem um vigarista desses dar um passo na sua propriedade. Nenhum! Nenhum! Usem todo o tipo de rede. Todo mundo tem telefone. Liguem um para o outro imediatamente. Reúnam verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário”, diz o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS). “A própria baderna, a desordem, a guerra é melhor do que a injustiça”, defende.

Ele afirma que o movimento pela demarcação de terras indígenas seria uma “vigarice orquestrada” pelo ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. Moreira diz também que tal movimento seria patrocinado pelo Ministério Público Federal, o qual, segundo ele, defenderia a “injustiça”.

No vídeo, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado federal Luís Carlos Heinze (PP-RS), diz que índios, quilombolas, gays e lésbicas são “tudo que não presta”.

“Quando o governo diz: ‘nós queremos crescimento, desenvolvimento. Tem de ter fumo, tem de ter soja, tem de ter boi, tem de ter leite, tem de ter tudo, produção’. Ok! Financiamento. Estão cumprimentando os produtores: R$ 150 bilhões de financiamento. Agora, eu quero dizer para vocês: o mesmo governo, seu Gilberto Carvalho, também é ministro da presidenta Dilma. É ali que estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas. Tudo o que não presta ali está aninhado”, discursa Heinze.

Ele também sugere a ação armada dos agricultores. “O que estão fazendo os produtores do Pará? No Pará, eles contrataram segurança privada. Ninguém invade no Pará, porque a brigada militar não lhes dá guarida lá e eles têm de fazer a defesa das suas propriedades”, diz o parlamentar. “Por isso, pessoal, só tem um jeito: se defendam. Façam a defesa como o Pará está fazendo. Façam a defesa como o Mato Grosso do Sul está fazendo. Os índios invadiram uma propriedade. Foram corridos da propriedade. Isso aconteceu lá”.

Veja os principais trechos do filme

Promovida pelo também deputado ruralista Vilson Covatti (PP-RS), que pertence à Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) da Câmara, a audiência pública aconteceu em novembro do ano passado e seu tema foi o conflito dos produtores rurais com os indígenas do povo Kaingang, que vivem na Terra Indígena Rio dos Índios, de 715 hectares.

Em dezembro do ano passado, produtores rurais do Mato Grosso do Sul organizaram um leilão para arrecadar recursos para a contratação de seguranças privados para impedir a ocupação de comunidades indígenas. O evento recolheu mais de R$ 640 mil e foi apoiado pela bancada ruralista. Parlamentares como a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), estiveram presentes e defenderam a iniciativa.